Capitulo I
O Navegante Perdido
Navego por caminhos tortuosos, onde o mar está sempre faminto e prestes a te engolir. Sereias encantadoras estão sempre me tentando a afogar em seus amores. Criaturas gigantescas, verdadeiros titãs permanecem adormecidos em sono pesado. Vejo outros navios e embarcações menores perdidos em meio à neblina densa, muitos sem tripulantes, outros com tripulantes cegos.
Eu posso vê-los e eles me vêem, mas apenas os meus olhos parecem vivos, estão todos enlouquecidos, já não podem me perceber, já não podem se perceber. Certa vez avistei uma ilha, perdida no horizonte que a muito tempo eu havia esquecido, naveguei em sua direção por dias e dias, meses se passaram e ela continuava lá, no horizonte.
A Lua estava exatamente sobre a minha cabeça, cheia e iluminada, porém escondida atrás de nuvens. Foi quando eu finalmente parecia me aproximar, as nuvens dissiparam-se tão rápido que quando revelaram aquela Lua enorme sua luz era tão forte que por alguns segundos fechei os olhos, quando os abri a ilha de mata verde, que me inspirava esperança e estava sempre no horizonte, havia sumido.
Fiquei desolado, eu já estava por mais de um ano sozinho no meu navio, navegando a minha própria sorte sem nunca avistar se quer um grão de areia vagando no ar. E quando eu finalmente achei que teria milhares deles sob meus pés, pisquei e os deixei sumir. É verdade que podem nunca ter estado lá, mas por falha minha eu nunca terei certeza.
Há belas coisas para se ver no mar e eu as vejo frequentemente, as sereias de quem já lhes falei antes são só uma gota em um copo cheio. Pode parecer bobagem, mas eu gostaria muito de saber pescar, minhas providencias não durarão por muito mais tempo e eu já não consigo comer pouco para economizar.
Ultimamente as mais belas criaturas que tenho visto são Marlins gigantes e brilhantes. Não sei se por estar comendo tão pouco é que estou fraco para conseguir pegá-los. Só sei que só os sei apreciar.
Quando eu era apenas uma criança, sentado na praia, eu admirava aquelas ondas enormes e azuis que pareciam crescer de repente tal como sumiam em si mesmas. Hoje as ondas são bem maiores e só somem ao me engolir, ainda assim, uma calmaria não me leva a lugar nenhum, por isso as ondas ainda são tão lindas.
Há uma verdade sobre o mar que vocês já devem ter ouvido em histórias de piratas e marinheiros, o vai e vem pode te embrulhar o estomago, mas não é o melhor motivo pra vomitar.
Tenho navegado só, por algum tempo, ainda assim não me acostumo com essa situação. Estou sempre buscando companhia, no espelho ou no meu reflexo na água, penso em voz alta sobre aquela nuvem, que parece algodão ou um travesseiro macio, esperando que alguém, uma voz que não esteja apenas na minha cabeça, responda ou replique dizendo que eu sou muito ingênuo em apenas achar, afinal de que mais seriam feitas as nuvens se não de algodão?
Esses dias eu achei ter visto alguém no convés, mas não havia ninguém lá. Será que estou sucumbindo? Estou finalmente enlouquecendo? Foi só um vulto, uma imagem embaçada pairando no ar, provavelmente o espírito de um dos meus antigos tripulantes.
Pode ser apenas delírio de fome, mas outro dia passei por um navio que era cerca de três vezes menor que o meu e havia cerca de doze tripulantes a bordo, lógico que estavam todos loucos e que o navio andava em círculos. Contudo aquilo me fez pensar como eu conseguia navegar - ainda que sem rumo - em um navio tão grande sozinho? Ai o delírio se deu: Talvez, apenas talvez, eu não esteja sozinho.
Não estou falando de Deus ou anjos, ou se quer espíritos - eles nem são palpáveis, como poderiam navegar algo tão sólido? - falo de alguém que pode estar escondido, um clandestino, que quer chegar a algum lugar e por isso me ajuda com o navio e não se revela. Mas é como eu disse, estou com fome, posso já estar delirando.
Já me acostumei com o balanço do mar, to sempre indo e vindo, no balanço. De cara não se preocupem se houver frases sem sentido ou que não possam ser compreendidas nesse texto, me desculpem, encontrei um barril de rum nos fundos do deque de carga, escondido dentre os barris de pólvora que eu nem sei pra que tenho já que não há canhões aqui.
Afoguei minhas magoas no tal barril de rum que eu encontrei escondido no... Eu já disse isso, não disse?
Mas sabem, apesar de estar de cara cheia, soluçando e sorrindo, brindando com o vento, que parece mais tonto do que eu, não consigo esquecer, MINHAS MAGOAS SABEM NADAR, não se afogam DE JEITO NENHUM, as fiz caminhar na prancha e eu mesmo as empurrei quando não queriam saltar, quando boiaram eu pulei e as empurrei pra baixo e ainda estão aqui, vivas.
- MALDITA SEJA!
Aquela onda que me deixou nessa situação, parecia mandada por deuses, quando abraçou o navio me senti amado por Calipso e esbofeteado por Poseidon. E nem sou religioso.
É fato ainda estou com uma vela rasgada e um mastro quebrado, o que me deixa com um navio desse porte com apenas uma vela, lastimável. Estou sorrindo agora, mas é só porque estou bêbado demais pra chorar.
As histórias que tenho lhes contado não parecem animadoras, não tem grandes pontos positivos, só mostram o quanto eu sofro e o quão nada eu sou diante do mar. Minha mãe diria que a vida é assim mesmo e que eu precisaria esquecer, mas já que não consigo, conviver com isso. É como a história da criança que catava conchas na praia, ela cortou o dedo na primeira concha reluzente que encontrou que de branca ficou vermelha, ainda assim ela a guardou em seu baldinho e continuou coletando conchas, agora com mais cuidado. E foi sobrepondo, conchas por cima de conchas, e lá no fundo foi ficando aquela primeira que a feriu, mas era tão linda que ela não pode jogar fora, nem quando encontrou conchas mais belas e já não tinha espaço. O que achas mais interessante: uma concha branca sem ranhuras, tão polida pelo mar que quase pode refletir o teu rosto OU a concha que pintastes com o teu sangue, passando assim, de um branco reluzente e sem falhas para um vermelho vivo e pulsante?
Parece que passei pra fase do bêbado filosofo, eu diria que é a hora de parar, mas não há ninguém pra me ver desmaiar e babar de tão bêbado, ora:
- Dane-se!
Sabem quando sei que estou realmente bêbado? O convés parece estar sempre um degrau a cima, daí eu piso no vento, pois na verdade o convés está um degrau a baixo, talvez daí a expressão "sentir-se alto".
Às vezes a gente acha que ta no fundo do poço, no meu caso, no fundo do mar, mas na verdade sempre há um degrau a baixo.