O Conto do Navegante. Primeiro relato do Caderno de dentro do berço. (cáp.VIII)

"Eu falo como se não me importasse, como se não ligasse os fatos ao que escuto ela dizer. Eu sei de tudo, tudo, sem exceção. Mas não posso usar nada do que sei. Eu sou terrível  o pior dos seres humanos. Eu falo como se não me importasse, como se não doesse. Mas dói, dói muito mais do que um dia eu imaginei que pudesse doer. E eu que já sofri o inferno na terra... Busquei o paraíso e acabei perdido... Não sei onde estou, é escuro, vazio e cheio de dor... E como dói... Não sei onde estou, não sei de nada... Eu achei que sabia, achei que entendia... Eu estava errado. Não achei que um dia fosse usar essa expressão, mas é a única que me parece plausível "eu estava errado"... Não, "eu estou errado". Errado, sozinho, perdido, perdido, perdido... E cheio de dor... E como dói... Buscar o paraíso e acabar perdido... Me repetindo... Cheio de dor. Eu falo como se fizesse alguma diferença... Falo como se ela se importasse... Como se ela me importasse... Já nem sei quem ela é... Mentira. Eu sei sim, sei mais dela do que de mim. E mesmo assim não sei de nada... Eu não sei de nada... Eu tô perdido... Perdido... Perdido... E como dói... Como eu não achei que pudesse doer... Como se alguém se importasse... Eu falo como se eu me importasse se alguém se importasse... Mas e se alguém se importasse... Me importaria? Mais que raiva! Eu tô perdido. Me repetindo... E dói... E como dói... Eu falo como se não ligasse os fatos... Como se não montasse o quebra-cabeças na minha cabeça perfeitamente... Que raiva! Eu nem sei se isso "tá" certo. Olha só o quanto que eu escrevi... Olha só o quanto que eu falei de mim... Eu, eu, eu, eu, eu, eu... Um parágrafo infinito só falando sobre mim. Eu, eu, eu... E me repetindo. Como eu sou egoísta! Que raiva! E ela... Como será que está? Mesmo me dizendo tudo eu não consigo entender... Não como eu entendo tudo e todos a minha volta... Ela é diferente, desde o inicio, sempre foi. Que diabos! Ódio! Amor! Que diabos que eu sou?! Eu já falei, estou perdido, per-di-do! E dói! Eu acho que entendo os sinais, mas de que me adianta entender o corpo se não entendo a cabeça? Eu acho que entendo os sinais, mas de que adianta se eu não sei o que fazer com eles? Eu acho que sou o maior egoísta que já existiu, não consigo parar de falar de mim. Leoninos... Só que não é assim. Não deveria ser! Eu não sou só mais um leonino! Eu não sou só mais um! Eu não sou... Eu só sei conjugar os verbos na primeira pessoa do singular. Não é egoísmo, deve ser culpa de uma professora minha da oitava série que me ensinou sobre literatura a primeira vez e me disse que a forma mais bonita, pra ela, de poesia era a romântica, quando o eu lírico falava do que sentia para a pessoa amada. Mas eu nem tô escrevendo pra ela ler... Apesar deu saber que mais cedo ou mais tarde ela vai acabar lendo. Eu não estou usando o pronome pessoal do singular da segunda pessoa, ela é só a terceira pessoa que provavelmente nem vai entrar na conversa. E do que eu falava mesmo? Cá estou eu, outra vez... Perdido... E dói... Eu, eu... Só eu, aqui... No escuro, no frio, no vazio. Só eu e meus pensamentos mundanos, só eu e minhas questões. Só eu e essa saudade que me aperta o peito. Só eu e essa vontade de mostrar pra ela o quanto a amo. Mesmo sem saber o que é o amor... Ela acha que sabe mais do assunto do que eu. Vai saber, talvez ela saiba mesmo. Mas se começou a ler isso, talvez nem chegue aqui, e se ligou os fatos - apesar de não terem sidos diretamente listados - nunca vai ter certeza. Porque ela é igualzinha a mim, o que é muito estranho dizer, nunca achei isso possível, Ela é indecisa, insegura, imperfeita, seria uma ótima mãe. Já falou algumas vezes sobre ter filhos - na verdade, falou muito vezes - mas Freud me ensinou a ligar os fatos aos atos - eu sei o porque dela pensar nisso agora e esse não é um bom motivo. As vezes eu sou tão emotivo, tão ridículo, que dá raiva de mim, ódio! As vezes eu pareço uma parede, não é que nessas horas eu não sinta nada, é que certas coisas me paralisam, o medo me paralisa. A dúvida me paralisa. Eu espero que ela não leia isso, espero que olhe e perceba a extensão das minhas palavras e não tenha coragem de ler... Sinceramente, só tô escrevendo pra mim e pra você que tá lendo - você que provavelmente só sou eu mesmo. Me desculpe a fonte, mas também faz parte do plano de não incentivar que ela leia. "Mas por que publicar se não quer que ela leia" apesar de serem ideias particulares, essa é a minha arte, mesmo que eu não vá mostrar pra ninguém. Isso nem se quer faz sentido pra mim... Mas certas coisas são como são. Eu sou assim, perdido. E sinto essa dor que nunca havia imaginado. Esse sou Eu e somente EU. E EU sou um personagem fictício criado pelo autor, que não tem nada a ver com nada que ele já tenha vivido. Esses aqui são os meus sentimentos de personagem... Qual a minha estória? Sou só uma criança perdida no Limbo."
- A Criança não batizada(retirado de "O Conto do Navegante", 2013 - Andrews Nycollas)

Deu vontade de dividir um pedaço do meu livro, que agora tem nome...

"Chove, como sempre, quando eu quero chorar e não choro... Chove. É culpa minha, podem dizer que não, podem achar que é loucura, mas eu sei. É culpa minha. 'Mas você nem sabe o próprio nome' você pensa, mas não diz, porque tem medo. Meu nome não importa, só importa a tristeza, minha tristeza é que fertiliza o solo, por isso aqui nascem flores."
- O Homem sem nome. (Anne no mundo das coisas perdidas - Andrews Nycollas)